(Texto de: Alderi Souza de Matos)
Em 2017, muitas igrejas evangélicas ao redor do mundo estão comemorando o 5º centenário da Reforma Protestante. Esse importante movimento, que teve início em 1517, procurou levar a única igreja então existente, a Católica Romana, de volta aos fundamentos bíblicos, especialmente neotestamentários, da fé e da prática cristã. Infelizmente esse objetivo não foi alcançado, ocorrendo o surgimento de novas denominações – as igrejas protestantes. Embora a Reforma também tenha tido componentes culturais, políticos, econômicos e sociais, seu impulso básico foi de natureza religiosa e doutrinária, principalmente o entendimento da própria igreja e do relacionamento dos seres humanos com Deus.
O grande líder inicial da Reforma foi o monge alemão Martinho Lutero (1483-1546), que era professor de teologia na recém-criada Universidade de Wittenberg, na Saxônia. Movido por uma profunda ansiedade quanto à justiça de Deus e à sua própria salvação, ele redescobriu o ensinamento paulino da “justificação pela graça mediante a fé” (Rm 5.1-2; Ef 2.8-9; Tt 3.5-7). Isso significa que Deus perdoa o pecador e o aceita como justo, não com base em qualquer coisa que esse indivíduo possa fazer, qualquer mérito pessoal que possa ter, mas por causa da graça divina concedida em Cristo e aceita pela fé. Essa redescoberta teve um efeito profundamente libertador para Lutero e serviu de ímpeto para a sua crítica da venda das indulgências (perdão concedido pela igreja) mediante as “Noventa e Cinco Teses” que publicou em 31 de outubro de 1517.
A princípio, Lutero não tinha qualquer intenção de produzir uma divisão no cristianismo e fundar uma nova igreja. Ele amava a sua igreja de origem e queria vê-la em maior harmonia com o ensinamento das Escrituras. Todavia, a reação extremada da igreja oficial contra as suas propostas, e a recusa da mesma em promover as reformas que estavam sendo reivindicadas, levaram Lutero a romper com a velha tradição e dar início a uma nova confissão religiosa que ficou conhecida como luterana ou evangélica. O termo “protestante” surgiu em 1529, quando diversos príncipes luteranos assinaram um protesto formal durante uma reunião do parlamento alemão.
Com o passar dos anos, ocorreram algumas diferenças entre os próprios protestantes, o que resultou no surgimento de outras igrejas evangélicas, em parte semelhantes e em parte diferentes da igreja luterana. No século 16, esses outros grupos foram três: reformados suíços, anabatistas e anglicanos. Todavia, de um modo geral, todos esses segmentos abraçaram um mesmo conjunto de princípios fundamentais, expressos em latim. São eles: Sola Scriptura (somente a Escritura), Solo Christo (somente Cristo), Sola gratia (somente a graça), Sola fides (somente a fé) e Soli Deo gloria (glória somente a Deus). Um princípio adicional, que também teve consequências revolucionárias, foi o “sacerdócio de todos os crentes”, mediante o qual se questionou a antiga distinção entre clero e leigos.
Inspirados por Lutero, logo surgiram movimentos de reforma eclesiástica em outros países europeus. Especialmente importante foi aquele ocorrido na Suíça, o qual ficou conhecido como Segunda Reforma ou Movimento Reformado. Seus primeiros líderes, na cidade de Zurique, foram Ulrico Zuínglio e seu sucessor João Henrique Bullinger. Alguns anos depois entrou em cena um líder ainda mais destacado – João Calvino (1509-1564). Durante seus estudos em Paris, Calvino se converteu à fé evangélica. Em 1536, publicou a primeira edição de sua obra mais importante, a Instituição da Religião Cristã ou Institutas. No mesmo ano, iniciou o seu ministério na cidade de Genebra, no oeste da Suíça, onde permaneceu por boa parte do restante de sua vida.
Calvino se destacou como o principal pensador, escritor e expositor bíblico dentre os reformadores. Suas inúmeras obras ainda hoje exercem influência nos campos da teologia, interpretação bíblica, culto, pregação e ética social. Ele é considerado o estadista da Reforma, pois sua capacidade intelectual, talento administrativo e amplos contatos internacionais possibilitaram uma grande expansão da fé protestante em muitas regiões da Europa. Uma das principais diferenças entre as reformas alemã e suíça se deu no entendimento acerca da Ceia do Senhor. Enquanto que Lutero admitia uma presença física de Cristo no sacramento (consubstanciação), os líderes suíços insistiram numa presença simbólica (Zuínglio) ou espiritual (Calvino).
Também na Suíça surgiu um terceiro movimento de reforma, que ficou conhecido pelo nome de Irmãos Suíços ou anabatistas. Esse grupo defendia um cristianismo mais simples, com base no Novo Testamento, o batismo de crentes por imersão e a plena separação entre a igreja e o estado. O último movimento de reforma surgido no século 16 ocorreu na Inglaterra. Num primeiro momento, o rei Henrique VIII criou uma igreja católica nacional separada de Roma. Seus sucessores deram a essa igreja um caráter protestante, sem no entanto abandonar algumas características católicas. Todas as outras igrejas protestantes que surgiram posteriormente foram herdeiras de alguma dessas quatro manifestações iniciais.
A Reforma teve profundas consequências para as nações que a abraçaram, principalmente no norte da Europa. Algumas dessas consequências se verificaram no âmbito da educação cristã. Como o protestantismo valorizava a leitura e o estudo da Bíblia, foi dado grande incentivo à alfabetização e à criação de escolas. São exemplos dessa preocupação dois escritos de Martinho Lutero, um deles dirigido aos governantes (“Às autoridades de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas”) e o outro aos pais (“Um sermão sobre manter as crianças na escola”). Além disso, como os pastores precisavam ser aptos para interpretar, pregar e ensinar as Escrituras, foram criadas instituições para preparar adequadamente os líderes das igrejas.
João Calvino, sendo um homem culto e profundamente interessado na educação, escreveu amplamente sobre o tema. Ele valorizou fortemente a educação cristã no âmbito da igreja, à qual considerava tanto “mãe” quanto “mestra” dos seus membros. Se, por um lado, a igreja gera novos filhos e filhas para Deus mediante a pregação do evangelho, por outro lado ela deve educá-los e alimentá-los espiritualmente durante toda a sua vida. O reformador de Genebra entendia que devia existir na igreja uma classe de oficiais dedicada especificamente ao ensino cristão – os mestres ou “doutores”. Calvino também defendeu a criação de escolas para preparar os líderes da igreja e da sociedade. Em 1559, ele fundou uma famosa academia, precursora da atual Universidade de Genebra.
Uma das maiores contribuições dos reformadores para a educação cristã foram os seus catecismos, manuais de instrução na forma de perguntas e respostas que tinham por objetivo ensinar os princípios básicos da fé para crianças e jovens. O primeiro desses documentos foi o Pequeno Catecismo (1529), de Martinho Lutero, que abordava os Dez Mandamentos, o Credo Apostólico, a Oração do Senhor e os sacramentos. Calvino produziu valiosos textos como Instrução na Fé (1537) e o Catecismo de Genebra (1542). Outros documentos influentes são o Catecismo de Heidelberg (1563) e o Breve Catecismo de Westminter (1647).
Transcorridos 500 anos, a mensagem da Reforma Protestante continua relevante e atual para as igrejas evangélicas dos nossos dias. Sua ênfase na graça redentora de Deus, na supremacia da pessoa e da obra de Cristo, na centralidade das Escrituras para a vida e a fé, no sacerdócio de todos os crentes, na importância de um culto teocêntrico, e em tantas outras convicções e valores, precisa ser reconhecida e resgatada numa época de crescente conformação da igreja com os padrões da sociedade. A educação cristã também terá muito a ganhar em profundidade e riqueza se souber aproveitar todo esse precioso legado.